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Estudo de jogos antigos. Arqueoludogia: Liubo

Hoje inauguro uma nova seção no blog! Na Arqueoludogia falarei de jogos antigos, esquecidos e/ou históricos.

Dessa vez vamos falar do ancestral dos jogos de tabuleiro, um jogo chinês chamado “Liubo”.

O nome Liubo vem do chinês (”Liu = seis, bo = bastão), e é um jogo de chance, uma espécie de corrida entre dois jogadores onde estes buscam aprisionar as peças do adversário. Estas peças são movimentadas conforme o lançamento de pequenos bastões de madeira.

O jogo fez muito sucesso entre o período de 700 a.C até 300 a.C, sendo muito famoso especialmente no Período dos Reinos Combatentes (V a.C até 221 a.C) e na Dinastia Han (206 a.C até 221 d.C), onde nas cidades ricas e entre a população de alta classe, o jogo era muito comum. Entretanto, aos poucos o jogo foi perdendo espaço e desaparecendo.

Partida de Liubo

No entanto, nos últimos anos diversas descobertas arqueológicas e estudiosos passaram a levantar informações sobre o jogo e a forma de jogar. Em especial ao excepcional trabalho de Jean-Louis Gabriel Cazaux, que pode ser encontrado aqui, que resgatou as regras do jogo e que serve de base para esse post. São esses elementos das regras que vamos observar agora.

Há diversas variações de peças e materiais, mas normalmente são:

Componentes Liubo

1 caixa de madeira para guardar o jogo

1 tabuleiro de madeira

12 peças sendo 6 pretas e 6 brancas.

12 bastões para serem arremessados, divididos em dois grupos de seis bastões, um para cada jogador. (São esses os bastões que dão nome ao jogo)

Algumas variações do jogo utilizam: fichas que funcionam como marcadores de vitória e 1 pequena faca para criar ou marcar as fichas caso seja necessário

Componentes do Liubo

Em resumo, a ideia do jogo é bem simples: cada jogador lança os bastões, e influenciado pelo resultado dos bastões ele poderá mexer as suas peças no tabuleiro. Quem conseguir ao longo do movimento capturar primeiro todas as peças do adversário, ganha. Entretanto, há uma série de variações causadas pelo tabuleiro no movimento das peças, para entender isso, vamos olhar o tabuleiro.

Diagrama do Tabuleiro Liubo

As peças irão se mover ao longo do tabuleiro no sentido anti-horário e com movimentação especial conforme os pontos cardeais. Esse próximo diagrama feito por Cazaux ajuda a entender isso.

Movimentação e posição das peças no Liubo

As peças começam no ponto 1, e se movimento seguindo o diagrama em direção ao aumento dos números ou seja, no sentido anti-horário.

Entendido o funcionamento do tabuleiro, vamos agora a uma resumo das regras:

Regras em 10 passos:

1. Cada jogador escolhe uma cor e pega as peças respectivas a ela. Além disso, pega também seu kit de seis bastões. Nenhuma peça começa no tabuleiro, os jogadores devem ficar com elas na sua frente.

2. Na hora de movimentar as peças, cada jogador arremessa seus bastões. Eles serão agrupado em grupos de três, e lidos conforme seus lados, o lado plano do bastão é o yang e o lado convexo é o ying.

3. Cada grupo de três bastões é alinhado e a pontuação é contabilizada da seguinte maneira: yang = 3 pontos, ying = 2 pontos, e desse somatório subtrai-se 5. Por exemplo, em uma jogada eu obtenho 2 yangs e 1 ying, logo minha pontuação é: 2×3+2 – 5= 3 pontos.

Com base nisso, a menor pontuação possível é 1 (tudo Ying) e a maior 4 (tudo Yang). Essa pontuação é que irá determinar quanto cada peça irá se mover.

4. O jogador realizada dois movimentos de peças no seu turno, cada movimento é baseado no lançamento de cada grupo de três bastões. O jogador deve mover duas peças diferentes, nunca pode mover uma peça duas vezes.

5.  A movimentação das peças segue as seguintes regras: As peças começam no ponto 1, e se movimentam seguindo o diagrama em direção ao aumento dos números. Ou seja, a peça vai do 1 ao 2, do 2 ao 3, e assim continua. Entretanto, sempre que atingir o próximo ponto cardeal além do 1, ou seja, o 6, o jogador pode mover sua peça diretamente para o próximo ponto cardeal, isso significa que o jogador pode mover a peça do 6 para o 11 ou o 16. E também do 16 para o 1. As peças podem ficar dando voltas no tabuleiro, ou seja, após chegar no 20, o jogador continua movendo a peça.

6. Quando a peça movida por um jogador encontra a peça de outro jogador. A peça que não estava sendo movida é retirada do tabuleiro, e ele deverá colocar ela novamente no tabuleiro.

7. A Coruja: Quando uma peça atinge o quadrado central ela pode se tornar uma coruja. Apenas uma peça pode se tornar coruja, todas as outras que chegarem posteriormente continuam como peças comuns. A Coruja possui movimentação especial podendo se mover no sentido horário ou anti-horário, quando a coruja cai sobre uma peça, ela captura essa peça, e essa peça é removida do jogo. Caso a coruja seja capturada, o jogador dono da coruja perde automaticamente o jogo. O jogador que possui uma coruja também perde o jogo caso após sua jogada, o oponente possua 5 peças no tabuleiro e não tenha nenhuma coruja. Para diferenciar a Coruja das demais peças, a Coruja é colocada na vertical, enquanto as outras peças ficam na horizontal.

8. Quando uma Coruja captura outra Coruja, o jogo não acaba. A Coruja capturado é removida do jogo, e deve reentrar como uma peça comum.

9. Toda vez que uma peça de um jogador completar um volta completa, ou seja, passar novamente pelo ponto 1, ele recupera uma peça apreendida pela coruja, e também realiza um movimento extra. Quando qualquer jogador tira resultados iguais em seus dois lançamentos, ou seja, 1-1 ou 4-4, ele também pode realizar um movimento extra.

10. Além de vencer pela captura da Coruja do adversário utilizando uma peça comum. Outra forma de ganhar , é quando um jogador captura todas as 6 peças do oponentes. Esse tipo de vitória é considerada de grande estilo.

Esculturas de barro jogando Liubo, material encontrado em tumba da Dinastia Han Oriental (25–220 a.C)

Reflexões a partir do Liubo:

Liubo apresenta interessantes elementos de design.  O primeiro aspecto é o uso de bastões para produzir os resultados variáveis. Esses bastões substituem o uso de dados, e servem de reflexão para pensarmos como estamos acostumados com o uso de dados para produzir esses resultados, e muitas vezes esquecemos que há toda uma gama de opções para isso. Como moedas, búzios, runas e toda uma série de elementos adivinhatórios.

Outro elemento interessante é o fato do jogo ser simples de aprender e difícil de dominar. Liubo é um jogo bastante complexo e que exige do participante atenção e uma série de escolhas a todo o momento para conseguir vencer o jogo. Promovendo um continuo aprendizado conforma vai sendo jogado.

E por fim, outro aspecto interessante é o fato do jogo ter diversas formas de vitória. Isso aumenta a variedade de opções, além de proporcionar um maior equilibrio para o jogo. Pois mesmo o jogador que estiver melhor no jogo, se não ficar atento, pode acabar perdendo. isso diminui a chance da partida ser desequilibrada e enfadonha.

Estudar os jogos de antigamente é um exercício que sempre recomendo, pois estes trazem normalmente paradigmas e elementos bem diferentes dos dias atuais, o que permite pensar além das estruturas de game design atual, e a expandir e oxigenar nossa visão sobre os jogos. Espero que tenham gostado! Até a próxima arqueoludogia!

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Tema x Mecânica

Dois pontos fundamentais no game design são o tema e a mecânica. Em uma definição simplificada, o tema diz sobre o que é o jogo ou o seu assunto. E a mecânica é o desenvolvimento matemático desse tema, a forma estrutural do jogo – ou seja, como ele funcionará.

Cada designer normalmente tem suas preferências em relação ao que focar no desenvolvimento, mas é normal experimentar vários modelos dependendo do projeto. Vamos falar de algumas aproximações e dicas sobre esse assunto.

Eu, como game designer, na maioria dos casos começo pelo tema. Normalmente o processo criativo começa quando lendo, vendo ou pensando em alguma coisa tenho a sensação de que esse elemento pode virar jogo.

Tema ou que raio de jogo é esse

Uma dica para o desenvolvimento de um jogo a partir do tema, e que usamos no workshop Gamerama, é pensar em algumas palavras-chave e refletir a partir delas. Pense em três palavras que possam ajudar a definir sobre o que é seu jogo e o que você pretende com ele. Recomendo utilizar substantivos ou adjetivos nessa fase, deixando os verbos para o momento de reflexão sobre a mecânica. Por exemplo, vou fazer um jogo baseado na obra de H.P Lovercraft, e coloco como palavras-chave: investigação, horror e desconhecido.

As palavras vão ajudar a traçar o caminho que você deseja para o desenvolvimento do seu jogo. E caso você se perca no processo, e isso quase sempre ocorre, volte nelas e observe o que você planejou no escopo inicial. Esses elementos também ajudam durante o processo de playtest e nas suas conversas/entrevistas com os jogadores participantes do teste. A partir deles você pode ver se os jogadores sentiram/perceberam os componentes que desejava no jogo.

Outra dica no desenvolvimento do tema é olhar o aspecto narrativo. Que histórias eu pretendo desenvolver sobre ou nesse jogo? Me preocuparei com que o jogo conte uma história, ou meu foco será na história da partida? Seu design objetivará as narrativas que surgem ao longo do jogo e privilegiará as interações entre os jogadores? O risco do desenvolvimento a partir do tema é você ter um jogo muito envolvente no aspecto temático, porém desequilibrado matematicamente. O jogo é muito legal, mas alguém vai sofrer.

Arkham Horror é um bom exemplo de jogo que realizou uma integração entre tema e mecânica.

Alguns designers preferem focar o desenvolvimento a partir da mecânica. Um bom exemplo é o designer alemão de board games Reiner Knizia. Na maioria dos seus jogos ele procura desenvolver o jogo a partir de uma fórmula ou problema matemático.

E isso funciona muito bem para ele – afinal, já criou mais de quinhentos jogos! Uma das vantagens dessa linha é que normalmente os aspectos de equilíbrio e jogabilidade são mais fáceis de serem atingidos a partir dessa abordagem. Seguindo nossa linha de dicas, você pode desenvolver um jogo pegando uma teoria matemática – por exemplo, conjuntos, perturbações, grupos ou qualquer outra, existem várias! – adicionar algumas palavras-chave (recomendo verbos nesse caso) e juntando esses elementos, pensar uma mecânica para um jogo. Após desenvolver o modelo matemático pode começar a acrescentar os elementos do tema. Entretanto, um risco desse método, porém, é o tema ficar superficial dentro do jogo.

Esse modelo também é utilizado para o desenvolvimento de jogos abstratos, onde todo o foco está na estrutura matemática e o tema é apenas uma – com o perdão da redundância – abstração.  Teoricamente qualquer tema pode ser encaixado dentro da estrutura do jogo, basta apenas um pouco de história antes de apresentar o jogo. Um exemplo disso é o xadrez! São dois reis guerreando, mas poderiam ser mafiosos, traficantes, insetos… Ou seja, num jogo abstrato, com uma boa introdução, todo tema é válido.

Cada designer deve utilizar o método e a dinâmica que sentir mais à vontade. Entretanto é importante conhecer várias técnicas para poder utilizá-las nas mais diferentes situações. Quanto mais jogos fizer, mais ele as dominará e acabará desenvolvendo sua própria metodologia, e assim como seu jogo, ninguém será mais dono dela do que você. E isso faz uma baita diferença!

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