Sobre Jogos, Deuses e Reis

Jogos, deuses e reis sempre estiveram ligados. O imponderável dos resultados dos jogos era visto como sinais divinos, e também proporcionavam brincadeiras com o poder, com o Destino, e os impactos que causavam na vida das pessoas. Hoje vamos ver algumas dessas histórias.

 Uma bela alegoria nessa área, resgata por Andrew Steinmetz em seu maravilhovo “The Gaming Table”, é do nascimento do Jogo. Segundo as lendas, A Deusa da Fortuna andava perto da piscina do Olimpo quando encontrou o Deus da Guerra, ambos estavam muito animados e dessa animação tiveram uma criança que já nasceu bastante rebelde, o nome dela? Jogo. Essa filha só se acalmava quando brincava com cartas, dados, tabuleiros, fichas e toda a sorte de elementos lúdicos.

A criança cresceu e se tornou uma pessoa encantadora, que acabava envolvendo ambos os sexos, e poucos resistiam ao seu charme e sedução. Desses relacionamentos, ela teve dois gêmeos: o Duelo e a monstruosidade do Suicídio. Ela logo se apaixonou por ambos, e como toda mãe cuidadosa, passou a enchê-los de mimos, e a sempre estar com eles, ela realmente gostava da companhia dos seus filhos e como eles a completavam.

 E a Deusa da Fortuna também amava sua filha e netos, e espalhou casas para eles em todos os lados. Eles habitavam os palácios dos reis e também as cidades, onde surgiam vários locais de adoração para a deusa dos Jogos. E muitos entravam, venciam o Duelo, e saiam ricos, contando suas glórias, já outros, perdiam tudo, e fracos, caiam nas mãos da monstruosidade do Suicídio e seu novo companheiro, o Desespero.

A Deusa da Fortuna

Mas a relação entre jogos e religião não ficou restrita ao Olimpo, ela também preocupava os “Pais da Igreja Católica”, em seus escritos, há uma série de advertências e críticas contra os “jogadores de dados” e o efeito dos “dados” na vida das pessoas. Clemente de Alexandria disse em seu livro 3 “O jogo de dados deve ser proibido, e também a busca de lucros, especialmente pelos dados, que muitos acabam seguindo. Essas coisas a prodigalidade pelo luxo inventa o ócio. A causa é a ociosidade, é um amor para frivolidades além da verdade. Pois não é possível de outra maneira  obter prazer sem prejuízos e a preferência de cada um pelo seu modo de vida é a contrapartida de sua disposição “.

 A grande questão levantada pelos teóricos católicos era que os jogos levavam a uma crença no Destino, em contraponto a Fé. O lançamentos dos dados, levava seus participantes a acreditarem numa mudança da sorte e de seu destino, sem normalmente levar em consideração os desígnios da fé. Essa improbabilidade e variedade de opções trazidas pelos dados, são um dos elementos de game design que permitem que os jogos tragam elementos que surpreendam os jogadores e aumentem a rejogabilidade, como apontamos no post Jogos, suas características e a busca de parâmetros para análises.

São Clemente de Alexandria

 Outra história que fala da ligação de jogos e como eles influenciavam a vida e morte, é uma anedota da pérsia antiga, ligada ao período de Cyrus, cerca de 400 anos antes de Cristo. Segundo a história, a rainha Parysatis, mãe de Cyrus, usou toda sua habilidade nos jogos de dados, para armar uma cruel morte contra o escravo que havia matado seu filho, mesmo ele sendo apenas o executor do assassinato, armado pelos inimigos de Cyrus. Assim nos conta Steinmetz, através do relato de Plutarco (Artarxerxes do Império Persa, Vidas Paralelas):

“Não restava então a Parisate, para terminar a sua tarefa, senão Mesabate , um dos eunucos do rei, que tinha cortado a mão e a cabeça a Ciro; vendo que ele se conservava sempre vigilante e atento em suas palavras e atitudes, não lhe dando ocasião de prendê-lo, por fim, armou-lhe ela uma cilada: era mulher de muito espírito, e que dentre outras coisas sabia muito bem jogar dados e antes da guerra frequentemente o fazia com o rei. seu filho: depois da guerra, ainda, depois de ter feito seus deveres, não deixou de jogá-lo e de passar o tempo como antes, até a conhecer os segredos de seus amores, e a ajudá-lo a deles gozar: em suma, não o perdia de vista, dele se afastava o menos possível, deixando apenas à esposa Estatira, o pouco tempo de que ela podia dispor para estar com ele, quer porque a odiava mais que qualquer outra pessoa no mundo, quer porque queria ter mais crédito e prestígio perante o rei do que ninguém mais. Um dia, então, vendo o rei quase na ociosidade, e não sabendo como passar o tempo, ela lhe propôs jogar mil dáricas nos dados, e propositalmente quis perder, pagou-o em moedas contantes, mostrando, porém, que estava aborrecida e se sentia irritada: pediu-lhe então que jogassem, desta vez, um eunuco, e o rei ficou satisfeito com a proposta: mas antes de jogar puseram esta condição no jogo, que um e outro excetuaria nomeadamente os cinco que lhe eram mais fiéis e que lhe eram mais caros, e o resto, aquele que perdesse teria que entregar prontamente ao ganhador aquele dentre os outros eunucos que lhe fosse pedido. Puseram-se a jogar com essa condição e ela fazendo tudo o que sabia e podia nessa modalidade de jogo, com todo o cuidado e atenção e com o que os dados a favoreciam, tanto fez que ganhou e pediu a Mesabates por ter vencido, porque ele não era dos que o rei tinha excetuado. Tendo-o entre suas mãos, antes que o rei pudesse suspeitar do que ela queria fazer, ela o entregou aos carnífices e ordenou-lhes que ainda vivo lhe tirassem a pele e depois o crucificassem e atassem seu corpo em três cruzes, e estendessem sua pele sobre um outro pedaço de madeira, à parte.”

 A macabra história da Rainha  Parysatis mostra como os jogos podem se misturar com a vida real, fazendo ligações entre os dois lados, bem ao estilo dos Alternate Reality Games. Entretanto, nesse caso, essa mistura é extrema e sádica.

O historiador Plutarco

 Esses mitos e histórias, além de apresentarem questões morais sobre o jogo e o vício em jogos, também apresentam questões de game design, pois são baseados em elementos normalmente presentes em um jogo: probabilidade, sorte e habilidade (estratégia/guerra). Além de mostrarem como os jogos encantam a sociedade desde longa data, sendo objeto de fáscinio para muitos deuses, reis e mortais. Mas por hoje chega, novas histórias ficarão para novos posts.

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