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Estudo de jogos antigos. Arqueoludogia: Liubo

Hoje inauguro uma nova seção no blog! Na Arqueoludogia falarei de jogos antigos, esquecidos e/ou históricos.

Dessa vez vamos falar do ancestral dos jogos de tabuleiro, um jogo chinês chamado “Liubo”.

O nome Liubo vem do chinês (”Liu = seis, bo = bastão), e é um jogo de chance, uma espécie de corrida entre dois jogadores onde estes buscam aprisionar as peças do adversário. Estas peças são movimentadas conforme o lançamento de pequenos bastões de madeira.

O jogo fez muito sucesso entre o período de 700 a.C até 300 a.C, sendo muito famoso especialmente no Período dos Reinos Combatentes (V a.C até 221 a.C) e na Dinastia Han (206 a.C até 221 d.C), onde nas cidades ricas e entre a população de alta classe, o jogo era muito comum. Entretanto, aos poucos o jogo foi perdendo espaço e desaparecendo.

Partida de Liubo

No entanto, nos últimos anos diversas descobertas arqueológicas e estudiosos passaram a levantar informações sobre o jogo e a forma de jogar. Em especial ao excepcional trabalho de Jean-Louis Gabriel Cazaux, que pode ser encontrado aqui, que resgatou as regras do jogo e que serve de base para esse post. São esses elementos das regras que vamos observar agora.

Há diversas variações de peças e materiais, mas normalmente são:

Componentes Liubo

1 caixa de madeira para guardar o jogo

1 tabuleiro de madeira

12 peças sendo 6 pretas e 6 brancas.

12 bastões para serem arremessados, divididos em dois grupos de seis bastões, um para cada jogador. (São esses os bastões que dão nome ao jogo)

Algumas variações do jogo utilizam: fichas que funcionam como marcadores de vitória e 1 pequena faca para criar ou marcar as fichas caso seja necessário

Componentes do Liubo

Em resumo, a ideia do jogo é bem simples: cada jogador lança os bastões, e influenciado pelo resultado dos bastões ele poderá mexer as suas peças no tabuleiro. Quem conseguir ao longo do movimento capturar primeiro todas as peças do adversário, ganha. Entretanto, há uma série de variações causadas pelo tabuleiro no movimento das peças, para entender isso, vamos olhar o tabuleiro.

Diagrama do Tabuleiro Liubo

As peças irão se mover ao longo do tabuleiro no sentido anti-horário e com movimentação especial conforme os pontos cardeais. Esse próximo diagrama feito por Cazaux ajuda a entender isso.

Movimentação e posição das peças no Liubo

As peças começam no ponto 1, e se movimento seguindo o diagrama em direção ao aumento dos números ou seja, no sentido anti-horário.

Entendido o funcionamento do tabuleiro, vamos agora a uma resumo das regras:

Regras em 10 passos:

1. Cada jogador escolhe uma cor e pega as peças respectivas a ela. Além disso, pega também seu kit de seis bastões. Nenhuma peça começa no tabuleiro, os jogadores devem ficar com elas na sua frente.

2. Na hora de movimentar as peças, cada jogador arremessa seus bastões. Eles serão agrupado em grupos de três, e lidos conforme seus lados, o lado plano do bastão é o yang e o lado convexo é o ying.

3. Cada grupo de três bastões é alinhado e a pontuação é contabilizada da seguinte maneira: yang = 3 pontos, ying = 2 pontos, e desse somatório subtrai-se 5. Por exemplo, em uma jogada eu obtenho 2 yangs e 1 ying, logo minha pontuação é: 2×3+2 – 5= 3 pontos.

Com base nisso, a menor pontuação possível é 1 (tudo Ying) e a maior 4 (tudo Yang). Essa pontuação é que irá determinar quanto cada peça irá se mover.

4. O jogador realizada dois movimentos de peças no seu turno, cada movimento é baseado no lançamento de cada grupo de três bastões. O jogador deve mover duas peças diferentes, nunca pode mover uma peça duas vezes.

5.  A movimentação das peças segue as seguintes regras: As peças começam no ponto 1, e se movimentam seguindo o diagrama em direção ao aumento dos números. Ou seja, a peça vai do 1 ao 2, do 2 ao 3, e assim continua. Entretanto, sempre que atingir o próximo ponto cardeal além do 1, ou seja, o 6, o jogador pode mover sua peça diretamente para o próximo ponto cardeal, isso significa que o jogador pode mover a peça do 6 para o 11 ou o 16. E também do 16 para o 1. As peças podem ficar dando voltas no tabuleiro, ou seja, após chegar no 20, o jogador continua movendo a peça.

6. Quando a peça movida por um jogador encontra a peça de outro jogador. A peça que não estava sendo movida é retirada do tabuleiro, e ele deverá colocar ela novamente no tabuleiro.

7. A Coruja: Quando uma peça atinge o quadrado central ela pode se tornar uma coruja. Apenas uma peça pode se tornar coruja, todas as outras que chegarem posteriormente continuam como peças comuns. A Coruja possui movimentação especial podendo se mover no sentido horário ou anti-horário, quando a coruja cai sobre uma peça, ela captura essa peça, e essa peça é removida do jogo. Caso a coruja seja capturada, o jogador dono da coruja perde automaticamente o jogo. O jogador que possui uma coruja também perde o jogo caso após sua jogada, o oponente possua 5 peças no tabuleiro e não tenha nenhuma coruja. Para diferenciar a Coruja das demais peças, a Coruja é colocada na vertical, enquanto as outras peças ficam na horizontal.

8. Quando uma Coruja captura outra Coruja, o jogo não acaba. A Coruja capturado é removida do jogo, e deve reentrar como uma peça comum.

9. Toda vez que uma peça de um jogador completar um volta completa, ou seja, passar novamente pelo ponto 1, ele recupera uma peça apreendida pela coruja, e também realiza um movimento extra. Quando qualquer jogador tira resultados iguais em seus dois lançamentos, ou seja, 1-1 ou 4-4, ele também pode realizar um movimento extra.

10. Além de vencer pela captura da Coruja do adversário utilizando uma peça comum. Outra forma de ganhar , é quando um jogador captura todas as 6 peças do oponentes. Esse tipo de vitória é considerada de grande estilo.

Esculturas de barro jogando Liubo, material encontrado em tumba da Dinastia Han Oriental (25–220 a.C)

Reflexões a partir do Liubo:

Liubo apresenta interessantes elementos de design.  O primeiro aspecto é o uso de bastões para produzir os resultados variáveis. Esses bastões substituem o uso de dados, e servem de reflexão para pensarmos como estamos acostumados com o uso de dados para produzir esses resultados, e muitas vezes esquecemos que há toda uma gama de opções para isso. Como moedas, búzios, runas e toda uma série de elementos adivinhatórios.

Outro elemento interessante é o fato do jogo ser simples de aprender e difícil de dominar. Liubo é um jogo bastante complexo e que exige do participante atenção e uma série de escolhas a todo o momento para conseguir vencer o jogo. Promovendo um continuo aprendizado conforma vai sendo jogado.

E por fim, outro aspecto interessante é o fato do jogo ter diversas formas de vitória. Isso aumenta a variedade de opções, além de proporcionar um maior equilibrio para o jogo. Pois mesmo o jogador que estiver melhor no jogo, se não ficar atento, pode acabar perdendo. isso diminui a chance da partida ser desequilibrada e enfadonha.

Estudar os jogos de antigamente é um exercício que sempre recomendo, pois estes trazem normalmente paradigmas e elementos bem diferentes dos dias atuais, o que permite pensar além das estruturas de game design atual, e a expandir e oxigenar nossa visão sobre os jogos. Espero que tenham gostado! Até a próxima arqueoludogia!

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Tema x Mecânica

Dois pontos fundamentais no game design são o tema e a mecânica. Em uma definição simplificada, o tema diz sobre o que é o jogo ou o seu assunto. E a mecânica é o desenvolvimento matemático desse tema, a forma estrutural do jogo – ou seja, como ele funcionará.

Cada designer normalmente tem suas preferências em relação ao que focar no desenvolvimento, mas é normal experimentar vários modelos dependendo do projeto. Vamos falar de algumas aproximações e dicas sobre esse assunto.

Eu, como game designer, na maioria dos casos começo pelo tema. Normalmente o processo criativo começa quando lendo, vendo ou pensando em alguma coisa tenho a sensação de que esse elemento pode virar jogo.

Tema ou que raio de jogo é esse

Uma dica para o desenvolvimento de um jogo a partir do tema, e que usamos no workshop Gamerama, é pensar em algumas palavras-chave e refletir a partir delas. Pense em três palavras que possam ajudar a definir sobre o que é seu jogo e o que você pretende com ele. Recomendo utilizar substantivos ou adjetivos nessa fase, deixando os verbos para o momento de reflexão sobre a mecânica. Por exemplo, vou fazer um jogo baseado na obra de H.P Lovercraft, e coloco como palavras-chave: investigação, horror e desconhecido.

As palavras vão ajudar a traçar o caminho que você deseja para o desenvolvimento do seu jogo. E caso você se perca no processo, e isso quase sempre ocorre, volte nelas e observe o que você planejou no escopo inicial. Esses elementos também ajudam durante o processo de playtest e nas suas conversas/entrevistas com os jogadores participantes do teste. A partir deles você pode ver se os jogadores sentiram/perceberam os componentes que desejava no jogo.

Outra dica no desenvolvimento do tema é olhar o aspecto narrativo. Que histórias eu pretendo desenvolver sobre ou nesse jogo? Me preocuparei com que o jogo conte uma história, ou meu foco será na história da partida? Seu design objetivará as narrativas que surgem ao longo do jogo e privilegiará as interações entre os jogadores? O risco do desenvolvimento a partir do tema é você ter um jogo muito envolvente no aspecto temático, porém desequilibrado matematicamente. O jogo é muito legal, mas alguém vai sofrer.

Arkham Horror é um bom exemplo de jogo que realizou uma integração entre tema e mecânica.

Alguns designers preferem focar o desenvolvimento a partir da mecânica. Um bom exemplo é o designer alemão de board games Reiner Knizia. Na maioria dos seus jogos ele procura desenvolver o jogo a partir de uma fórmula ou problema matemático.

E isso funciona muito bem para ele – afinal, já criou mais de quinhentos jogos! Uma das vantagens dessa linha é que normalmente os aspectos de equilíbrio e jogabilidade são mais fáceis de serem atingidos a partir dessa abordagem. Seguindo nossa linha de dicas, você pode desenvolver um jogo pegando uma teoria matemática – por exemplo, conjuntos, perturbações, grupos ou qualquer outra, existem várias! – adicionar algumas palavras-chave (recomendo verbos nesse caso) e juntando esses elementos, pensar uma mecânica para um jogo. Após desenvolver o modelo matemático pode começar a acrescentar os elementos do tema. Entretanto, um risco desse método, porém, é o tema ficar superficial dentro do jogo.

Esse modelo também é utilizado para o desenvolvimento de jogos abstratos, onde todo o foco está na estrutura matemática e o tema é apenas uma – com o perdão da redundância – abstração.  Teoricamente qualquer tema pode ser encaixado dentro da estrutura do jogo, basta apenas um pouco de história antes de apresentar o jogo. Um exemplo disso é o xadrez! São dois reis guerreando, mas poderiam ser mafiosos, traficantes, insetos… Ou seja, num jogo abstrato, com uma boa introdução, todo tema é válido.

Cada designer deve utilizar o método e a dinâmica que sentir mais à vontade. Entretanto é importante conhecer várias técnicas para poder utilizá-las nas mais diferentes situações. Quanto mais jogos fizer, mais ele as dominará e acabará desenvolvendo sua própria metodologia, e assim como seu jogo, ninguém será mais dono dela do que você. E isso faz uma baita diferença!

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Anatomia Lúdica: Dados

Hoje começo uma nova coluna do blog chamada Anatomia Lúdica. Nesse espaço pretendo fazer uma análise estrutural dos jogos. Hoje vamos analisar um das mais antigas formas de jogo da humanidade: dados.

Esse recurso lúdico tem uma origem incerta no tempo e espaço. O famoso dramaturgo grego Sófocles afirmava que os dados foram inventados pelo herói grego Palamedes enquanto este cercava Troia. Já Heródoto dizia que foi o povo lídio que inventou os dados. O tempo passou e descobertas arqueológicas mostraram que os dados são muito mais antigos do que os gregos nos informaram.

Os dados possivelmente surgiram há 5 mil anos e eram utilizados inicialmente para artes adivinhatórias, mas em pouco tempo surgiram os jogos e este tipo de atividade se tornou uma prática para egípcios e chineses.

Hoje existem inúmeros jogos baseados em dados, mas a grande maioria pode ser dividido em duas categorias básicas:

Jogos de sorte, em que o jogador não tem nenhum controle estratégico sobre o resultado.

Jogos de influência, em que o jogador tem decisão estratégica sobre o resultado do jogo.

Como qualquer tipo de jogo, cada um deles tem seu momento e seu local, e ambas as categorias apresentam jogos interessantes e divertidos. Agora vou falar um pouco mais de cada categoria e exemplificar com um jogo de cada tipo.

Jogos de Sorte

Essa categoria de jogos é simples: você joga os dados e torce para que consiga obter o resultado que te leve a vitória. Mas nem por isso são menos divertidos. Jogos desse grupo normalmente são leves e rápidos, mas sem deixarem de ter a tensão de desafiar sua própria sorte.

Existem diversas subcategorias dentro de jogos de sorte, mas as principais são:

jogos de sorte e pontuação
jogos de sorte que usam marcadores
jogos de aposta

Posteriormente falarei especificamente de cada uma delas, mas para exemplificar melhor agora a categoria mais ampla de jogos de sorte, vou falar de um jogo chamado “Seven Up”.

# Seven Up #

Seven Up é um jogo que comporta qualquer número de jogadores e é voltado para todo tipo de público, especialmente para jogadores casuais e para a família.

Material: dados e marcadores.

Preparação:
No inicio do jogo, cada jogador recebe 21 marcadores (feijões, moedas, miçangas, etc). Além disso, devem ser colocados alguns marcadores no meio da mesa e também são necessários dois dados.

Objetivo: O objetivo do jogo é ser o último jogador a manter seus marcadores.

Regras: Após todos os jogadores receberem seus marcadores, o primeiro jogador (decidido na sorte dos dados, é claro!) joga ambos os dados:

– Caso o jogador obtenha um 7, ele retira sete marcadores do centro da mesa.
– Caso ele obtenha qualquer outro resultado, ele deve perder marcadores iguais à diferença entre seu resultado e o número 7. Esses marcadores são colocados no centro da mesa.

O jogo continua no sentido horário até que um jogador perca todos seus marcadores. Ao acontecer isso, esse jogador é declarado o perdedor e todos os outros ganham.

Foto por: Sarah Spaulding

# Jogos de Influência #

Nessa categoria de jogos, a sorte continua presente no resultados dos dados, entretanto ela é minimizada a partir das escolhas dos participantes. Ou seja, o jogador passa a ter um maior controle estratégico sobre os resultados e pode estabelecer táticas que aumentam sua chance de vitória.

Dentro dessa categoria maior, existem uma série de subcategorias:

– jogos de progressão
– jogos de risco
– jogos de estratégia
– jogos de blefe

Também falaremos sobre elas em outros posts, mas agora vou exemplificar a categoria de jogos de influência através de um jogo chamado “Navio, Capitão, Imediato e Tripulação”

“Navio, Capitão, Imediato e Tripulação”

Esse jogo é voltado para a família, possui um tema atrativo e comporta qualquer número de jogadores – apesar de funcionar melhor entre 3-5 jogadores.

Material: 5 dados e papel para anotar os resultados.

Objetivo:
Conseguir obter os números 6, 5 e 4 nessa ordem, e ganhar pontos com os dados restantes.

Regras:

O primeiro jogador (escolhido na sorte) começa e o jogo segue no sentido horário.

Cada jogador lançará os 5 dados juntos até 3 vezes para obter os números desejados. Assim que ele tirar o número 6, ele reserva esse dado (é seu navio) e continua jogando os dados restantes. Caso ele obtenha um número 5, após ou junto do número 6, ele também separa esse dado do restante (é o capitão). Ao obter o número 4 (seu imediato), o jogador atingiu o objetivo de qualificar seus dados, e os dados restantes são sua pontuação.

Por exemplo: Um jogador lança os dados pela primeira vez e obtém 6, 4, 3, 2, 1. Ele separa o dado que tirou 6(navio), joga sua segunda tentativa (agora somente com 4 dados) e tira 5,4,3,2. Ele destaca o dado que obteve o número 5(capitão) e logo em seguida o que tirou 4(imediato). O jogador completou seu navio, capitão e imediato, os dados restantes serão sua tripulação e sua carga. Serão esses dois dados restantes que darão sua pontuação. Voltando ao exemplo, o jogador obteve 3 + 2: 5 pontos! Ele conseguiu completar seu navio já na segunda jogada de dados, e ainda poderá tentar uma terceira e última vez caso queira obter um resultado melhor que o anterior. Mas vale lembrar que ele só poderá jogar apenas dois dados. Por exemplo, o jogador decide tentar novamente e obtém 3,3 no dado! Com isso, ele anota no caderno de pontos que ganhou 6 pontos, e a rodada prossegue com o próximo jogador no sentido horário.

Nesse último jogo, o participante já possui algum possibilidade táctica dentro do jogo. Ele já pode escolher se irá arriscar uma nova jogada (e com isso poder ter novos ganhos ou perdas) ou procurar manter seus resultados. Caso o jogador não seja um dos primeiros, ele também poderá realizar suas ações baseado nas jogadas dos outros jogadores (essa característica também deixa exposto um desbalanceamento do jogo).

Cada uma das características sobre jogos de dados descritos nesse post tem seu espaço e uso no game design. Cada sistema tem suas vantagens e desvantagens, e a escolha de um em detrimento do outro depende do objetivo, público-alvo e qual o impacto que você deseja da sorte ou estratégia em seu jogo. Um bom exercício de design é escolher alguns jogos já estabelecidos, e ir promovendo modificações e substituições nas suas mecânicas. Essa experiência de anatomia lúdica é uma forma de testar novos limites para velhos jogos, expandir suas habilidades e criar possibilidades futuras para novos jogos.

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Jogando com a história: Hunt the Wumpus

Esse post é o primeiro de uma série de análises sobre jogos clássicos.

Hoje falaremos do jogo que foi a base do que viria a ser conhecido como ficção interativa: Hunt the Wumpus.

Para entendermos melhor a história desse jogo vamos voltar um pouco no tempo.

Em 1970 a ARPANET, que mais tarde iria virar a Internet, ia sendo construída por jovens programadores que desenvolviam as bases da tecnologia da rede, grande parte desse trabalho vinha dos laboratórios das universidades ou de empresas de ponta da época. Entretanto, esses programadores não faziam apenas isso, eles também eram jogadores e isso acabou resultando na produção de uma série de jogos que eram prontamente compartilhados na rede.

Em 1972, Gregory Yob fez um jogo para a People’s Computing Company chamado “Hunt the Wumpus”. Rapidamente o jogo se espalhou pela rede, laboratórios de pesquisa e se tornou um sucesso.

Caixa do jogo "Hunt the Wumpus"

No jogo, você é um caçador preso em um labirinto que possui a forma de um dodecaedro. Você possui apenas três setas e tem que tentar acertar uma no Wumpus, uma fera que existe no labirinto, para matá-lo. Se fosse apenas isso, Hunt the Wumpus não teria nada de novo em relação a outros jogos similares de “hide and seek”(esconder e procurar) como Hurkle, Mugwump e Snar, se não fosse o dodecaedro. É nesse ponto que Hunt the Wumpus contribui com inovações na área do game design. Nas palavras de Gregory Yob:

Dois anos atrás, conheci a Computer People Company (PCC) e vi alguns dos seus jogos de computador – como Hurkle, Snark e Mugwump. Minha reação foi: “ECHH!” Cada um destes jogos foi baseado em uma grade cartesiana de 10×10 e três deles foi demais para mim. Comecei a pensar na seguinte linha: “Tem de haver um jogo de esconder e procurar no computador que não utilize essa grade! Na verdade, por que não um jogo de computador topológico – Imagine um conjunto de pontos conectados de alguma forma e o jogador faria seus movimentos no jogo através das interligações

E foi exatamente isso que Gregory fez. No jogo, cada face do dodecaedro é uma sala do labirinto e as arestas do polígono são as conexões entre essas salas. Em cada sala que você entra, você recebe algumas informações do que está acontecendo nas salas ao seu redor, sem deixar explícito em qual sala está ocorrendo isso, o jogador sabe apenas que é perto. Você recebe dicas sobre brisas que denunciam que o piso pode ser um precipício, grunhidos que indicam a presença do terrível Wumpus, barulhos de morcegos, entre outras coisas. A partir dessa informações, o jogador deve escolher entre se mover (e para qual sala ir) ou atirar uma das suas setas pelo corredor procurando atingir o Wumpus na outra sala.

Início do Hunt the Wumpus - Instruções

Além dos inimigos se moveram pelo labirinto, o jogo fica mais interessante e dinâmico ainda com as mudanças que ocorrem na localização das salas(e suas armadilhas) em conseqüências de terremotos.

Exemplo de jogo e morte, rs

É interessante observar que toda essa mecânica, foi baseada simplesmente em uma estrutura não convencional do piso do jogo, quando Yob trocou os quadrados cartesianos de 10×10 pelo dodecaedro, ele modificou e inovou na estrutura do jogo. Vale ressaltar que uma das coisas que fazemos no Gamerama é propor certas limitações e inovações desse tipo, um exemplo, é quando pedimos para os jogadores desenvolverem jogos de tabuleiros com estruturas não convencionais como: tabuleiros triangulares, em formato de círculos ou que se forme ao longo do jogo. Ao fazer isso são estabelecidas essencialmente duas coisas:

  • Ao desenvolver uma mecânica não tradicional, por mais simples que seja, é impressionante o resultado que isso terá em todos o jogo, muitas vezes levando a um processo inovador, como foi o caso do “Hunt the Wumpus”. E essa mecânica não precisa ser criada a partir do zero, muitas vezes, modificar somente uma peça já é suficiente para um funcionamento totalmente diferente da engrenagem. Do ponto de vista do game design, essas modificações são muito interessante de serem observadas e projetadas, pois serão elas que irão avançar nossas experimentações e conhecimentos na área.
  • Rejogabilidade. Essa palavra, que deve ser um mantra para todo game designer, está extremamente presente no “Hunt the Wumpus”. Como a cada nova partida (e mesmo durante a partida) as peças que formam o labirinto se rearranjam, o jogador sempre terá uma nova experiência a cada nova partida. Permitindo que o divertimento e a experiência com o jogo possam sempre se renovar.

Caso queira experimentar o jogo, e prefira uma versão gráfica dele, você pode experimentar aqui.  Também foi feita uma versão em PHP que pode ser conferida aqui. E caso queira experimentar uma versão mais “rootz”, minha preferida, você encontra uma versão em Python(2.6) aqui.

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Mandando um Raise Dead no Blog

Bem, por diversos motivos, especialmente profissionais, o blog ficou um longo tempo parado, mas resolvi mandar um raise dead nele e finalmente começarei a postar com regularidade aqui.

E voltamos com novidade, como nesse período aumentei meu contato com jogos eletrônicos, inclusive tornando-me também um desenvolvedor iniciante, agora teremos um espaço para falarmos sobre eles também.

Ah, ainda preciso fazer um layout legal e arrumar outras coisas, mas isso vai ser feito com a casa em funcionamento.

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Notícias sobre pesquisas ligadas à educação

Sempre que for possível, postarei aqui algumas notícias sobre pesquisas que considero interessantes na área de jogos e educação. Bem, é isso ai, vamos a primeira!

Pesquisa: A socialização proporcionada pela Internet é importante para o desenvolvimento dos jovens

A Fundação MacArthur liberou uma pesquisa que indica que as habilidades de socialização dos jovens aumentam quando eles freqüentam redes sociais e outras comunidades online. Entretanto, o estudo destaca que por outro lado os estudantes não estão usando todos os recursos disponíveis da Internet para desenvolver sua educação. É interessante ressaltar que mesmo sem utilizar esses recursos, os jovens se envolvem intensamente em sites onde possam trocar conhecimento, e onde possam buscar aprender de forma autônoma, desde que o assunto seja do seu interesse.

O estudo durou três anos, contou com a partição de 800 pessoas e foram realizadas 5000 horas de observação dos participantes. A pesquisa foi conduzida por Mizuko Ito na Universidade da Califórnia, em Irvine.
O sumário executivo, ou resumo, está aqui.
Seria interessante observar se os massive multiple online role playing games (MMORPGs) também tem potencial para aumentar essa socialização. Se eu encontrar alguma pesquisa falando sobre isso, coloco aqui para vocês.

Referências:

Lewin, T. (2008, November 18). Teenagers’ internet socializing not a bad thing. The New York Times. [Online]. Retrieved November 23, 2008 from: http://www.nytimes.com/2008/11/20/us/20internet.html?_r=2&partner=rss&emc=rss&pagewanted=all

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